quarta-feira, 28 de julho de 2010

Morangos com Nutella

Certa vez, quando criança, fui presenteada com um livro chamado "Gratidão". Enquanto devorava rapidamente as trinta páginas, eu não podia imaginar as sérias conseqüências que a singela leitura acarretaria. O livro consistia na pergunta "O que é gratidão?", seguida por dezoito respostas ilustradas, dentre elas: "Aquilo que você sente quando toma um banho de mangueira num dia de muito calor" e "Sentimento por ter um amigo que sempre guarda seus segredos". Ao fechar o livro, um mar de respostas se abriu em minha pobre mente infantil. Repentinamente descobri, que o que eu sentia ao comer jabuticabas sentada na árvore, ou ao ficar horas lendo gibis em um dia chuvoso, nada mais era do que gratidão. Apenas gratidão! Uma pergunta insistente latejava em minha cabeça: "Se isto é gratidão, então o que é a...?". Foi neste exato momento, que iniciou-se a minha longa jornada em busca da tão falada e desconhecida felicidade.
Eu cresci como tantas outras pessoas, achando que a felicidade é algo grandioso, que deve ser buscado e encontrado a qualquer custo. Esperando o grande sinal, o grande momento inesquecível, onde enfim poderia dizer: Sou feliz! Confesso que por vezes, tomada por imensa alegria, pensei que este momento havia enfim chegado. Mas algum tempo depois, sempre percebia que não passara de um engano, ainda não era a felicidade, pois a alegria sempre passava. Então retomava minha espera por ela, que é a grande sintonia do Universo conspirando ao seu favor, onde tudo da certo: o sucesso te ronda, a carreira decola e o esmalte nunca descasca. Até que um belo dia, eu me cansei de esperar.
Me rendi aos prazeres do morango com Nutella. Descobri que além de somar centímetros a minha circunferência abdominal, esta divina combinação tinha o estranho poder de me fazer feliz. Por algum tempo eu tinha em minhas mãos a tão procurada alegria eufórica, que só se extinguia minutos após a constatação de que o pote do fantástico creme de avelã, que não contém glúten, estava absolutamente vazio. Eis a fórmula secreta da minha felicidade, que vem em copos decorados, vendidos nos melhores supermercados. Que começa quando compro, se prolonga por todo o saborear, e termina com a última lambida de dedos. Como tudo na vida, com começo, meio e fim.
Não há dor ou alegria que dure pra sempre, então anime-se: Se está sofrendo, vai passar. Mas se está perfeito, vai passar também e outros tantos momentos perfeitos virão. Passaram-se os anos, procurei e esperei, mas foi um pote de Nutella acompanhada por suculentos morangos que enfim me fizeram enxergar, que a felicidade está nas pequenas coisas da vida. Desmistifiquei o meu livro de infância, pois não importa o título. Pra mim, o que enche aquelas páginas com belas ilustrações, são descrições da real felicidade, que está sempre presente. Quando alguém nos arranca um sorriso, ou quando nos maravilhamos com o céu noturno, estamos sendo felizes por um momento. Colecionando momentos como estes, estaremos sempre felizes. Isso, e apenas isso é a felicidade pra mim. Mas se eu estiver errada, e tudo isso não passar de “Gratidão”, quero dizer então: Obrigada! Obrigada pelos dias ensolarados de piqueniques no parque, pelos amigos e pelas madrugadas afora em companhia deles. Pelas conversas insanas nos camarins de teatro e pelos tantos planos para dominar o mundo. Obrigada pelos banhos de chuva, pelas confidências trocadas com a lua e as noites de fuga no terraço do prédio. Pelas corridas noturnas com o vento frio lambendo o rosto, pelo som do silêncio e pelo som dos aplausos rompendo o silêncio quando as luzes se apagam. Serei eternamente grata!

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Lavando a louça suja

Éramos seis. Seis atores sonhadores, recém chegados ao Rio de Janeiro, com mil planos e toda a coragem do mundo pra enfrentar tudo o que viesse pela frente. Quatro homens, duas mulheres. Cada um vindo de um canto do país e, aparentemente, unidos pelo acaso (salvo que eu nunca acreditei em acasos). Foi durante uma madrugada enluarada que ficou decidido: "Alugaremos um apartamento esta semana. Vamos todos morar juntos!". Mal sabíamos que o sotaque seria apenas a primeira das nossas muitas diferenças...
Mudamos-nos numa noite não planejada, levando as malas nas mãos, os corações palpitando de expectativas. Foi com Coca Cola e Kuat Zero que brindamos, entre gargalhadas, à nossa felicidade no novo ap. Os dias que se seguiram não poderiam ter sido mais perfeitos. A convivência era fácil e o clima, de pura descontração. Todos festejavam as novas amizades, mas pra mim, era uma nova família o que estava surgindo: em terras estranhas, onde ainda não há muitos rostos amigos, cinco companheiros do dia a dia tornam-se um porto seguro. Então me pergunto: o que foi que mudou?
Não tenho a resposta. Só sei que em algum ponto entre o "vai ser perfeito" e o "vamos conseguir juntos", a cantoria da menina excessivamente autoconfiante começou a incomodar. Aquele que outrora fora o "companheirão" passou a viver por trás de cadeados e fechaduras, e o "super divertido" estava sempre fora. Eu, mergulhada em problemas, só fazia descontar toda minha frustração em comida, e até o mais equilibrado da casa se alterou. O clima era de pura tensão. Em tempos de guerra fria, qualquer louça suja na pia é motivo pra rebelar a fera que há por dentro do morador menos paciente, o que fala o que pensa. Os nervos a flor da pele, e na cozinha, louças empilhadas sujas na pia: Teve início a batalha! As armas: línguas afiadas e cruéis dispostas a disparar sem pensar palavras duras e ácidas. Uma batalha sangrenta e sem vencedores. Balanço final: mágoa, frieza e silêncio. Mas não o silêncio que tanto me agrada. Não há o “som” neste silêncio, pois ele é hostil, seco. A casa antes tão cheia, agora está sempre vazia e temo que a ausência ocupe o espaço dos tantos momentos que hoje só existem na memória.
Algumas coisas não podemos mudar: o tempo nunca vai voltar, as palavras ditas nunca mais serão silenciadas e os cadeados e fechaduras só se abrirão por vontade do dono das chaves. Mas enquanto ele insiste em se manter distante, tão indiferente ao eco das tantas palavras ditas levianamente quanto a todo o resto, nada podemos fazer. Mas qual o sentido disso tudo pro restante de nós, que entre folias e desentendimentos sempre estivemos juntos? Soube um dia que os gregos tem o costume de quebrar pratos em ocasiões festivas, esboçando o desapego, a alegria... Quisera eu ter quebrado todos os pratos numa explosão de felicidade. Mas não quebrei, e eles ficaram empilhados na cozinha e mais do que sujeira, acumularam intrigas. E agora eu aqui, tentando concertar estragos feitos, relembrar que o plano era outro e que podemos ser muito mais juntos do que sozinhos. “Lavando a louça suja!”. Mas como eu adoraria voltar no tempo para esfregar cada talher, cada copo, e ver escorrer junto à água todo o rancor e toda animosidade típicos das coisas que deixamos empilhadas por muito tempo, num canto qualquer da cozinha ou da vida.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Reencontro marcado

Em meio a um turbilhão de dúvidas e conflitos, pela primeira vez em tempos, tudo era calmaria: sem tensão, sem expectativas, sem medos. Apenas eu mesma, da forma mais simples, mais honesta, mais real. Aquela Yasmin de que me lembrava, cercada de rostos conhecidos e conversas fáceis. Como nos "velhos tempos". Como a três meses atrás. Exatamente da forma que eu tanto sentia falta.
Alguns caminhos são escolhidos sem que tenhamos real certeza das conseqüências. Eu realmente temia perder mais do que estava preparada quando tomei a decisão, fiz as malas e me lancei rumo ao desconhecido. Mas ainda assim, me lancei de peito aberto e alma entregue. Era um caminho que eu tinha que percorrer e, por alguma razão, sempre soube disso. E chegada a hora, quando me vi pronta e percebi todas as conspirações do destino, eu decidi e parti. Assim mesmo, sem despedidas. Enquanto o ônibus seguia rumo a cidade maravilhosa, que seria meu novo lar, eu só pensava e temia por todos aqueles, que a cada placa, a cada quebra molas, ficavam mais distantes de mim.
Como temi perder a única coisa que jamais estarei preparada pra deixar. Perder justo aquilo que me faz ao olhar pra trás, sentir orgulho e pensar que afinal de contas, não estou tão perdida. Que se hoje os caminhos me parecem obscuros, ao menos no passado eu soube construir algo que faz com que diplomas, carreira e sucesso pareçam insignificantes. Sim, eu construí o amor! E hoje, justamente hoje, posso afirmar com convicção que se trata pura e verdadeiramente de amor. Temi que o tempo e a ausência se encarregassem de distanciar e apagar memórias daqueles que outrora foram como irmãos pra mim. Como me enganei! O ligeiro desconforto do reencontro não durou quinze minutos, e logo a língua não segurava mais as palavras, que saiam desmedidas e sem medo. Os olhos, carregados de cumplicidade, confidenciavam lembranças e nada, absolutamente nada havia mudado. Percebi após algumas horas de conversa solta, que não importa o tempo, a razão ou a distância. Posso cometer um crime, me casar em Las Vegas, raspar a cabeça e morar três anos no Tibet, mas bastam alguns minutos juntos pra toda formalidade se dissipar, as almas se reconhecerem e os sorrisos serem novamente como nos tempos de colegial. Cúmplices.
Tenho 20 anos, nunca prestei vestibular e provavelmente nunca prestarei. Não tenho um emprego estável, nem um apartamento só meu. Ainda não comprei meu primeiro carro e nem sequer sei dirigir. Na ótica de muitos estou abaixo das expectativas para uma garota da minha idade, tenho muito menos conquistas, e metas. Talvez seja verdade, mas não me envergonho disso! Sou uma sonhadora. Não cheguei aos 20 anos cursando uma faculdade, ou passando em um concurso público e ganhando um bom salário. Não. Olho pra trás e vejo que o que possuo de mais concreto é o amor. Assim sei que jamais estarei sozinha. Pois a minha maior conquista aos 20 anos é algo que muitas pessoas completam 40 anos sem possuir.
Amizade: palavra que ninguém é capaz de definir com precisão, e ainda assim, não há uma pessoa que desconheça seu significado.

sábado, 17 de julho de 2010

Como teria sido?

O elevador sempre demora quando preciso! Inicia-se então um conflito interno: descer as escadas será mais rápido, ou ao pisar no primeiro degrau, o elevador enfim chegará? Quase sempre opto pelas escadas, e a cada degrau vencido dos cinco lances até o térreo, repito a mesma pergunta em minha mente: Como teria sido se o elevador não demorasse?
Básicamente nada muda. Ainda não tive nenhuma mudança relevante em minha vida por conta dos minutos a mais descendo as escadas. Mas será mesmo? Estes minutos não poderiam muito bem terem sido responsáveis por milhões de desencontros, de oportunidades perdidas, ou mesmo de acidentes evitados e brigas que nunca ocorrerão? Talvez, se tivesse chegado dois minutinhos antes, pegaria aquele ônibus, e talvez, neste ônibus, no qual nunca cheguei a embarcar, estivesse a chave da porta de acesso a estrada que eu tanto busco encontrar. Ou será que aquele ônibus que eu perdi seria assaltado adiante, e graças ao elevador "de murphy", eu não estaria presente? Por outro lado, estar naquele assalto poderia ser exatamente o lugar certo para estar naquela hora, pois quem sabe a grande história da minha vida não teria início alí? Infinitas possibilidades... São tantas pequenas descisões, tantos "ses": "Ah, se eu não tivesse dito isto, se eu tivesse ido, se não tivesse duvidado, se confessasse a verdade ou omitisse um detalhe..." Se...?
Vez por outra me surpreendo pensando no passado, em decisões que há tempos tomei e que mudaram irreversivelmente o rumo das coisas. Situações em que me vi diante de inúmeras portas, tive que decidir entre elas, e constatemente me pergunto sobre o que havia por trás das outras. Por melhor que tenha sido o caminho que escolhi, abriria mão de tantas coisas só pra voltar atrás, escolher outra porta e experimentar o que teria sido, seja isto bom ou ruim. Como eu adoraria provar o suco de pera e logo em seguida dizer ao garçon: "Não... pode levar este, me traga um de maçã, por favor!", ou fazer as unhas "francesinha" e logo após o óleo secante informar a manicure que, pensando bem, eu gostaria que ela repintasse, desta vez de "dara com rebu". Confesso: Não sou boa com decisões! Na verdade, mais que isso. Como boa libriana, me sinto encurralada diante da escolha aparentemente mais banal. Sempre enxergo a sala cheia de portas e penso nas tantas que jamais saberei o que há por trás. Tudo acarretado por uma pequena escolha, ou um pequeno atrazo, um simples acaso ou apenas um elevador que insiste em me fazer refletir sobre todas as coisas que poderiam ter sido, mas que nunca serão. Que me faz esquecer que esta é a grande magia da vida: o desconhecido... os mares revoltos e profundos. Afinal, a vida, assim como o amor, quer ser interfirida, violada e modificada a cada instante. E a morte se dá, quando diante de seus labirintos, decidimos caminhar em linha reta.

terça-feira, 13 de julho de 2010

A crise dos 20 anos


A vinte anos, oito mêses, vinte e oito dias e algumas horas atrás, nascia em Belo Horizonte, mais um ser humano do sexo feminino. Com 52cm, cabelos negros e grandes olhos verdes, esta criança não sabia o que era uma família. Não imaginava que seria entregue aos braços da sua mãe e que faria seu pai desmaiar logo nos primeiros minutos de sua vida, até porque não fazia idéia do que era uma vida. Tudo era novo. Penso que os bebês choram quando nascem por sentir medo. Não saber o que esperar, o que ser e o que fazer, pode ser assustador! Eu só não desconfiava que 7.304 dias depois, continuaria sem saber.

domingo, 11 de julho de 2010

Madrugadas afora

Sim, eu tento dormir cedo. Prometo isso Negritoa mim sempre quando acordo e me deparo com o relógio pontuando 14hs. E quando vou me deitar, junto aos primeiros raios de sol, que entram pela janela de cortinas finas e claras e iluminam meu quarto de vida e cor, eu realmente acredito que, na próxima noite, dormirei. E estarei despertando na manhã seguinte com o sol, que certamente a frágil cortina não barrará. Mas a quem eu quero enganar?
Há tempos, tento entender o fascínio que a madrugada exerce sobre mim. É arrebatador! Faz o sono parecer a coisa mais rara e anormal do planeta. E não é dificil perceber o porquê. Adoro a noite! Adoro o céu escuro, estrelas, a brisa mais fria que entra pelos cantos da porta, a sombra dos móveis projetada pela luz, a cidade deserta que vejo da janela e o aroma úmido e inexpressivo do meu apartamento madrugada afora.
Adoro a escuridão! Apagar todas as luzes quando como num consenso, a maior parte da cidade resolve apagar também. Sentir os olhos se acostumarem com a escuridão, que muitas vezes parece densa, e aos poucos, voltar a distinguir as formas à minha volta. E perceber os pontinhos de luz da tv, do carregador, do modem, tão fracos durante o dia, mas que brilham sua iponência durante a noite sombria, quando os grandes iluminados repousam e não podem lhes ofuscar. A noite é deles! Eles reinam. Facilmente são vistos, facilmente incomodam e facilmente criam sombras, que mentes criativas transformam em vultos. Eu nunca temi o escuro!
Adoro o silêncio! Ou melhor, adoro o som do silêncio. O zumbido baixo que se ouve em toda parte, o peso, o pingar de uma gota na cozinha, o som errante de um carro solitário passando ao longe, o ranger dos móveis, a minha respiração. Sons que raramente percebemos durante o dia: a tv ligada no volume mínimo, e ainda assim escutada com clareza; o som do vento, a respiração da cidade. Como o som do silêncio é bom! Madrugada afora, um zumbido de mosquito é um auto-falante. Um avião, tão longe no alto, vira um trovão e, cada passo, uma batida de tambor. Eles reinam.
Por fim, adoro esta percepção dos pequenos! Pequenas luzes, pequenos sons, odores suaves, vazio... É como se o mundo se desligasse por algumas horas só pra mim, só pra que eu pudesse enxergar todas essas coisas e brincar de tentar ouvir o bater do meu coração, de ficar fechando os olhos cada vez mais e ver até que ponto a luzinha da tv penetra minhas pálpebras. Olho da janela e vejo o mundo. Enorme. É só meu! Naquele momento, eu sou como o zumbido, como o ponto de luz fraca. Naquele momento eu aqui, tão pequenina num mundão sem limites. Eu, tão comum... mas naquele momento, eu reino! E o que vejo da janela é o cenário da minha vida. Ao longe várias locações que eu ainda posso explorar. Tudo vazio pra minha análise e compreensão de espaço. Tudo meu. Logo de manhã, porém, os cenários se inundarão de personagens e figurantes pra compor a minha história, que seguirá os rumos idealizados por mim ainda na madrugada, antes do expediente começar, enquanto o mundo aguarda em silêncio que eu decida o roteiro. Enquanto os grandes repousam, eu curto cada segndo desse reinado. Conspiro com o vento rumos inimagináveis pra história, guinadas, inesperadas e grandiosas: planos para dominar o mundo! Mas a madrugada é muito curta, e, antes que consigamos decidir o clímax da história, começo a perceber o som mais alto do tráfego lá fora. Vejo que a luzinha da tv não brilha mais com tanto vigor, pois a escuridão lá fora se dissípa, e o cheiro de café do apartamento ao lado acaba com o odor neutro da madrugada. E junto com raiar do dia me vem o sono... E todos os planos secretos são adiados pra próxima madrugada de conspirações. Pouco antes de dormir, já de olhos fechados e sentindo a claridade no rosto, eu repito a promessa: na próxima noite dormirei cedo, pra acordar logo pela manhã no dia seguinte. Assim, talvez, eu deixe de ser a roteirista e me torne a protagonista da minha história. Aquela que pega expediente logo cedo com demais personagens e figurantes, e deixa que os caminhos se decidam por força maior enquanto ela repousa e sonha, madrugada afora...